top of page

SOBRE SONS E BANZO

SONS DE BANZO é um trabalho de pesquisa que elege o SOM (sopro, canto e voz) como afeto primordial e portador das sensações do Banzo. Este por sua vez será pensado aqui, como um estado que extrapola o adoecimento de negros-escravos desterritorializados brutalmente de sua terra natal, e que, portanto, vem ganhando diferentes modos de existência ao longo da invenção do Brasil. Durante os quatro meses de bolsa, estarei dedicada à investigação de diferentes instrumentos de sopro da ‘família dos cornos’¹ pertencentes às paisagens bucólicas, da fala de quilombolas, trabalhadores da terra, vaqueiros do Sertão, bem como, de cantos em língua crioula oriundos de negros-escravos quando em trabalho nas minas e terras interioranas do Brasil. Para melhor escuta destas vibrações sonoras a investigação incluirá: aulas de canto, compra de diferentes instrumentos de sopro e visitas de campo em quilombos e comunidades no Sertão do Brasil. Tendo como foco a escuta da sensação Banzo, a intenção é desenvolver uma relação corporal-afetiva com esta massa sonora investigada e apresentá-la ao público através de uma performance inédita (criada ao longo da bolsa) que acontecerá no final da pesquisa. Textos também serão escritos, trabalhados na performance e disponibilizados ao público.

 

BANZO é o nome que se dá ao estado em que eram acometidos os negros africanos nas senzalas brasileiras. Uma espécie de tristeza profunda que se manifestava nos negros, na sua condição de escravo, quando longe de sua terra natal. Um corpo escravo, quando em banzo, apresentava-se meio a intenso fastio, profundo silêncio, dores de uma liberdade abortada, sofrimento continuado das asperezas com que o tratavam. Uma espécie de melancolia aguda, impoder absoluto da vida. Dor em relação aquilo que já não mais se pode ser, onde ‘eu’ já não pode ser o mesmo. Mais que isso, onde 'eu' já não pode se redesenhar frente às forças que o assola, levando-o ao suicídio forçado.

 

Mas se pensássemos o Banzo como um campo expandido? Como uma sensação que nasce desde o tráfico Atlântico, desenrola-se sinuosamente ao longo das histórias e produz múltiplos efeitos? Que assola a invenção do Brasil e com ela todo um percurso de massacres, dores e esmagamentos de corpos e vozes que ao longo da história não ganharam espaço? Se pensássemos o Banzo como um afeto que, especialmente por ser da ordem de um silenciamento de vozes minoritárias, insiste na urgência de se expressar aqui e acolá através de diferentes modos de existência, e em especial no campo das sonoridades, produzindo o seu próprio canto, no duplo sentido da palavra: espaço e voz?

 

Entendendo o som como aquilo que nasce do silêncio, podemos distinguir duas abordagens para a música: aquela que mascara o silêncio ou aquela que mantém a sua transparência. Aqui, as expressões sonoras do Banzo são entendidas como um tipo de música que mantém a transparência do silêncio e se produz no constante movimento entre aquilo que aniquila e silencia a voz rumo à vital invenção de uma audível vibratibilidade sonora, seja ela no sopro-lamento de um instrumento musical, ou nas falas e canções destes corpos minoritários.

 

Sons de Banzo é um projeto financiado pelo Programa Mergulho Artístico: Bolsas de Investigação, a ser realizado na Oficina Oswald de Andrade.

 

 

1 O BERRANTE tem sido o meu companheiro, instrumento explorado nas performances que faço. A sua escolha veio pelo fato do berrante ser o instrumento por excelência da vida do interiorano, nas terras do oeste brasileiro. É ele quem faz a relação do homem com o animal (no caso o gado). Para, além disso, é também neste sopro que se produz a vibração sonora de uma espécie de choro profundo. Sabe-se, por exemplo, que o seu ancestral é encontrado em diferentes culturas, de diferentes épocas. Tendo em comum o fato da insistência em se criar um instrumento de sopro, seja ele feito de chifre de animal ou concha, no intuito de fazer vibrar algo da ordem de um lamento. O trompete, tal como o conhecemos hoje, seria a sua complexificação tonal, onde o seu máximo lamento vem se expressar nas músicas árabes, nas quais o trompete exerce um papel especial. Não é por acaso que o Blues – uma outra expressão do que venho entendendo por Banzo – instala-se no Delta (Mississipi – EUA) através de escravos vindos do Norte de África, provavelmente de origem mulçumana.

bottom of page